
Uma das cenas que será apresentada pelo Núcleo de Improviso na conclusão das oficinas foi inspirada na crônica "Brincadeira" do Luis Fernando Veríssimo. Digo inspirada por que desenvolvemos a idéia do trote inicial no jogo do rodízio, onde os atores se revezam no palco para improvisar uma cena. A nossa brincadeira acabou resultando uma cena muito engraçada com vários telefonemas e conversas atravessadas que agora está sendo organizada nos ensaios. Na foto: Sérgio, Fernando "JC", Murilo, Renan e Rafael "X" na parte de cima. E Erika, Carol, Giovanna, Luan e Luana na parte de baixo.
Dê uma lida na crônica e no dia dois de agosto vá conferir a confusão que nós armamos:
BRINCADEIRA
Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
- Como é que você soube?
- Não interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor. Não espalha.
- Vou pensar.
- Por amor de Deus.
- Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Mas é impossível. Como é que você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém mais sabe?
Outras se tornavam agressivas:
- Está bem, você sabe. E daí?
- Daí, nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você contar pra alguém, eu...
- Depende de você.
- De mim, como?
- Se você andar na linha eu não conto.
- Certo.
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Não sei. O que é que você sabe?
- Não se faça de inocente.
- Mas eu realmente não sei.
- Vem com essa.
- Você não sabe de nada.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa para saber, mas eu é que não sei o que é?
- Não existe nada.
- Olha que eu vou espalhar...
- Pode espalhar que é mentira.
- Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
- Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema.
- Escute, estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurava:
- Você contou para alguém?
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Porque eu? - quis saber.
- A posição é de muita responsabilidade - disse o amigo. - Recomendei você.
- Por quê?
- Pela sua discrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos mas nunca abria a boca pra falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
- Co-como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que numa noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que a voz que mais se ouvia era a dele, gritando:
- Era brincadeira!Era brincadeira!
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo. Sabia demais.
Luis Fernando Veríssimo, em As mentiras que os homens contam
2 comentários:
O conto é ótimo, adaptado por nós, ficou demais! =D
Ai q arrependimento, eu não sei o que estou fazendo em montagens só sérias, sou louca, essa é minha praia, to morrendo de vontade de estar no meio disso. Tenho certeza q vou me divertir mutio vendo todos os queridos nessa cena. O conto é ótimo e fico imaginando quanto melhor ele não ficou após um banho dado pelos burlescos notívagos. Amo estar com vcs. Bjão e parabéns pela atualização do blog, queridíssimo qd.
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